Onde estavas no 10 de julho?

 


~ música de fundo: Sou (de Portugal eu Sou), de Karetus

Era de noite. Por volta das 22h30 soava o apito final que marcavam os 90 minutos de jogo que então decorria. Portugal estava empatado a 0 com a França, sede daquele ano do Campeonato Europeu de Futebol. O capitão, entretanto, já tinha saído, devido a uma lesão na perna e foi no início da segunda parte do prolongamento, ao minuto 109', que Éder rematou para marcar o único golo da partida. Portugal, sagrando-se, assim, Campeão da Europa de Futebol e, pela primeira vez na sua história, ganhando uma grande competição internacional.

Estávamos a 10 de julho de 2016 e a partir daí, nunca mais Portugal foi visto como era – sombrio, sempre na cauda da Europa. A partir daqui, Portugal torna-se das potências desportivas ao nível mundial, em que todos no mundo inteiro querem acompanhar a nossa seleção. Será o efeito Cristiano Ronaldo? Será que era de antes?

Eu não sou fã do Ronaldo, de todo. Não gosto do efeito mediático que, por vezes, ofusca os colegas, sempre que ele joga e sempre que não joga. Sei que, ao ver as redes da Federação Portuguesa de Futebol, a maior parte dos comentários são por causa de Ronaldo. E sempre que não aparece em nenhuma fotografia, a malta aparece a “cobrar”, quase, os motivos.  Mas verdade seja dita, depois de Amália e do seu amigo Eusébio, é Cristiano Ronaldo que leva o nome lusitano aos quatro cantos do mundo. Quando viajamos e alguém nos pergunta de onde somos e nós, inevitavelmente, respondemos que viemos de Portugal, nós não ouvimos nomes como “Ana Gomes” (a menos que estejamos no Congo ou Timor), “Amália”, “Mariza”, “João Moutinho”, “António Pedro-Vasconcelos”, “Daniela Ruah” ou “Joaquim de Almeida”. Não, de todo.

Ouvimos o quê? “Cristiano Ronaldo”, com tal emoção e intensidade que, por vezes é seguida pelo seu não menos famoso “Sim”. (É “Sim”. Não é “Siu”, ó garotagem)

E quer queiramos, quer não queiramos, não podemos tirar esse mérito de CR7. Aliás, se também há coisa que ninguém tira é a humildade característica – estamos a falar de um projecto que quase foi abortado (ó meu monte de m***, aprende agora antes de transmitir em televisão pública anúncios contra o aborto), porque os pais não tinham condições (já tinham 3 irmãos, Kátia [“obrigada manoooo”], Elma e o desconhecido Hugo). Estamos a falar de alguém que era filho de um alcoólatra e que desde muito novo teve de se “desemerdar” para alcançar o lugar onde está. E isso é de louvar.

Enfim. Continuando.

Mas o herói, por muito mais escondido que estava, foi um – Ederzito Lopes. Éder não é Pauleta, nem Nuno Gomes, nem Eusébio, nem Nené, tão pouco Cristiano Ronaldo. Não é tão goleador quanto eles. E por não marcar golos na seleção, tornou-se num “patinho feio” — como Fernando Santos recusou que o apelidassem um dia. Mas a verdade é só uma – foi ele que deu um sorriso brutal ao país inteiro (e que fez com que no dia seguinte fosse “feriado, [inserir asneira que significa o mastro de um barco]).

A sua história é impressionante - Éder nasceu na Guiné-Bissau, mas foi criado em Portugal em lares de acolhimento, longe dos pais, que não tinham condições para o sustentar. Cresceu em Braga, depois Coimbra, onde partia vidros a jogar futebol no pátio. Entre castigos e más notas, foi um treinador que insistiu para que jogasse, mesmo sem treinar. Começou no Adémia, passou por clubes pequenos e ganhou o seu primeiro ordenado (400€) no Tourizense, que usou para ajudar a mãe. Em 2008, chegou à Académica e pensou em desistir, mas não o fez. Acreditou sempre. Foi no Braga que se afirmou, passou pelo Swansea, e voltou aos golos no Lille.

E foi assim que Éder, o improvável, o discreto, o que cresceu entre lares e castigos, entrou para a História. Não com discursos bonitos. Não com capas de revista. Mas com um golo. Um só.

Um golo que valeu por todos os que duvidaram. Um golo que calou estádios, acendeu euforias, lavou frustrações antigas.

Um golo que pôs Portugal inteiro a gritar como se o futuro dependesse disso. E, de certa forma, dependia.

Porque naquele instante, ao minuto 109, não foi só futebol. Foi dignidade. Foi orgulho. Foi identidade.

E é por isso que, por muito que o mundo diga “Cristiano Ronaldo”, nós sabemos, cá dentro, que naquele dia, naquele verão, Portugal foi Éder.

Foi por isso que, depois do 25 de abril, agora também se pergunta, armando-se em Baptista-Bastos da Wish (ou da Shein, ou da TEMU): “Onde estavas no 10 de julho”.

Este texto não teve ajuda de Inteligência Artificial. 


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