~ música de fundo: Les Indes Galantes - Dança dos Selvagens, de Rameau
Se há alguma
coisa que as pessoas que me conhecem sabem é que tenho um ódio profundo, a algo
que é maior do que o meu pelo Pedro Abrunhosa ou pelo Nessum Dorma, que
são os Transportes Públicos, de autocarros a comboios, passando por
Metropolitanos. Tudo são objecto do meu ódio, que não é nada mais nada menos,
um ódio que se alarga para as pessoas, não só porque não gosto de ter
interações sociais variadas com as pessoas que todos os dias frequentam esse
tipo de transportes (ex. “com licença”; “posso me sentar?”; ou até mesmo e
pasmem-se, o simples ato de ter de explicar a minha doença nos joelhos, para
explicar a razão porque tive de passar à frente das pessoas, porque tenho dores
e preciso de me sentar nos bancos.), mas também porque simplesmente há muitas
interações sensoriais, quer pelo cheiro das pessoas ou cheiro dos transportes,
quer pelas conversas das pessoas, que, apesar de usar auscultadores que tentam
bloquear o ruído, as conversas ainda partem a “parede” que está entre o podcast
que estou a ouvir (aos altos berros!) e o mundo real.
Para além
dessa questão toda típica, temos as famigeradas greves ou os célebres atrasos
constantes dos meios de locomoção públicos, que provocam uma de duas coisas –
ou o atraso para a escola/trabalho ou outros compromissos pessoais e
profissionais, ou a ausência nas coisas referidas anteriormente.
Claro que não
me ia esquecer do benefício disso. Quem nunca ia para um jantar de aniversário
do periquito da nossa vizinha num restaurante finório (jantar esse que era
dispensável da nossa vida) e, de repente, o atraso ou as greves, foram uma
benesse para não ir a esse evento que queríamos tanto (ironia) ir? Quem nunca
usou, portanto, a desculpa dos transportes para não ir a um evento tão
importante (ironia) para a nossa vida?
Acho que
falando a sério, esta questão toda da falta de compromisso das empresas perante
os trabalhadores e estudantes do nosso país como é óbvio faz crescer a onda de
extrema-direita que está prestes a derrubar a nossa democracia, como derruba os
surfistas que não contornam bem uma delas na Nazaré: os atrasos e faltas por
causa destes constrangimentos (palavra tão ouvida quando acontecem estes
últimos), como é óbvio, prejudicam 90 ou 45 minutos de uma aula a começar o dia, porque
se tem de esperar pelo aluno, que teve de ir dar uma volta ao Cu do Conde, para tentar apanhar o autocarro mais próximo ou para tentar apanhar
um táxi ou Uber que consiga chegar o mais rapidamente à escola. E, como é
óbvio, prejudicam todos que querem ir trabalhar ou fazer simplesmente a sua
vida mais quotidiana, sem esquecer daqueles que querem voltar o mais
rapidamente possível para o seu lar e não conseguem porque têm de apanhar o
autocarro às 19h (que é quando ele vem), arriscando-se a jantar às 23h.
Com tudo isto que referi nesta crónica, são razões que bastam para fazer crescer este meu ódio profundo aos transportes públicos, mas, por mais que eu tenha motivos para este ódio, tenho plena consciência de que, para muitas pessoas, os transportes públicos são uma necessidade e, em muitos casos, a única opção viável para se deslocarem na cidade. Ah, a ironia de depender de algo que detestamos! É como ser alérgico a chocolate e trabalhar na fábrica da Milka.
Ah, transportes públicos, esse amor não correspondido. Que continuemos a nos evitar mutuamente, pelo menos até que um milagre tecnológico ou uma gestão milagrosa transforme esta relação tóxica em algo pelo menos tolerável. E até lá, vou seguir com a minha dança diária de desespero e resignação, esperando o próximo autocarro que, se calhar, já devia ter passado há meia hora.
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