Nota Especial: Já não se pode dizer nada.

 ~ música de fundo: YMCA

Não compactuo, de todo, com o Trump. O que tem feito é prova de uma insanidade mental nunca antes vista. Esta sede de poder ultrapassou os limites designados pela humanidade. Mas se há alguma coisa que me fascina nisto tudo é tentar compreender os motivos porque ele faz tanta merda, digamos assim. Como é que é possível este homem ter tanto ódio? Será porque teve uma educação rígida em que teve de se destacar para que o pai o notasse? Será porque não recebeu amor o suficiente dos pais. (só aqui para mostrar a HIPOCRISIA do Trump, a mãe dele é emigrante.)

Mas não é diretamente dele que vou discutir nesta crónica. É sobre a notícia do dia – o cancelamento, por parte da CBS do tão amado Late Show, com o Stephen Colbert. Por motivos vários, de entre eles a manifestação do apresentador contra o acordo de 16 milhões de dólares (perto de 13,8 milhões de euros) pagos pela Paramount, a 'empresa-mãe' da CBS, para pôr fim a um processo movido por Donald Trump contra a CBS News, durante a campanha presidencial do ano passado, o programa nocturno outrora apresentado por David Letterman, é cancelado ao fim de 10 anos.

Isto significa o quê – que a liberdade de expressão está a ser eliminada, a pouco e a pouco. Só porque, e bem, o apresentador tece comentários (como é apanágio dos programas de late night) acerca da política portuguesa, não significa que tenha de ser despedido porque o presidente mais palhaço da democracia americana fez birra. E ainda por cima com a desculpa que precisava de “aprovação” para a Paramount se fundir com a empresa Skydance, um negócio que depende da aprovação do presidente dos Estados Unidos.

E literalmente estamos a colaborar com os extremistas quando dizem "Já não se pode dizer nada". Porque, tragicamente, é verdade — neste momento não se pode mesmo dizer nada. Não se pode criticar o poder. Não se pode fazer humor político sem correr o risco de ser afastado. Não se pode apontar o dedo à podridão sem que alguém venha com uma indemnização milionária ou um pretexto corporativo. Estamos a viver uma inversão total: a frase que sempre foi usada por quem queria espalhar ódio sem consequências está, agora, a tornar-se verdadeira... mas contra quem denuncia o ódio.

É aqui que reside o verdadeiro perigo: quando a censura se veste de "neutralidade" empresarial e começa a limpar o terreno de quem incomoda. E enquanto isso, os verdadeiros propagandistas continuam a falar, cada vez mais alto, cada vez mais protegidos. 

A CBS (ou melhor, a Paramount) a pagar milhões para calar o Trump e a eliminar o programa de um dos maiores críticos dele? Isso é sintomático de algo muito mais grave: a cultura do medo, da autocensura e da submissão ao poder económico e político. O Colbert sempre foi um mestre da sátira, mas ao fazê-lo num momento de tensão política e judicial com o Trump, tornou-se um alvo fácil. O problema é que isto envia uma mensagem muito clara: “quem se mete com o poder, arrisca-se a desaparecer”.

E sim, disfarçar isto com desculpas corporativas sobre fusões empresariais é a cereja em cima do bolo do cinismo. Há um padrão histórico nisto: sempre que a arte e o entretenimento desafiam o status quo, vêm os cortes, os cancelamentos, as perseguições subtis. Estamos a viver um tempo em que a democracia já não está a ser apenas atacada com tanques ou leis autoritárias, mas com contratos, advogados e silenciamentos cirúrgicos.

Não estamos apenas a assistir ao cancelamento de um programa. Estamos a assistir ao cancelamento da crítica. Da sátira. Da liberdade que tanto apregoam nas cerimónias do 4 de julho, mas que, pelos vistos, só é válida quando serve os interesses de quem tem o dinheiro e o poder. Stephen Colbert foi só mais uma peça no xadrez mediático que o Trump – e outros como ele – têm vindo a controlar. Um por um, os críticos vão sendo calados. E o povo? Vai assistindo, como se fosse só mais um escândalo televisivo entre muitos. Como se a democracia pudesse ser tratada como um reality show em que se elimina quem diz a verdade.

E depois perguntam-se porque é que os jovens estão desligados da política, porque é que já não acreditam nas instituições. Como é que podem acreditar, se até os espaços de humor, os únicos onde ainda se podia respirar, estão agora sob vigilância corporativa? Quando a comédia incomoda mais que a corrupção, temos um problema sério. E este problema não é só americano – não sejamos ingénuos. O efeito Trump já se sente em toda a parte. A normalização do autoritarismo, a manipulação do discurso público, o ataque à imprensa livre… tudo isto já nos chegou também, embrulhado em discursos de “bom senso” e “moderação”.

O cancelamento do Late Show é só mais um aviso. Mais um sinal de que não basta estarmos informados. Temos de estar atentos. Ativos. Insuportáveis. Porque se deixamos que calem Colbert hoje, amanhã calarão todos os que, como ele, ousam pensar. E depois? Depois só nos resta o silêncio. Mas não um silêncio tranquilo – um silêncio podre, cúmplice, vazio.

E se há coisa que me recuso a aceitar, é isso.



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